terça-feira, 2 de junho de 2009

Budapeste (Walter Carvalho)



Em primeiro lugar, deixo bem claro que não li o livro de Chico Buarque. Minhas considerações, portanto, são de espectadora do filme como unidade autônoma, não dependente do livro.

Um filme dirigido por Walter Carvalho pressupõe de antemão um cuidado excepcional com a fotografia. Porém a beleza estética do filme vai além do previsível, é belíssima visual e narrativamente. O trabalho com a luz, as sutilezas de movimentação de camera e os enquadramentos andam de mãos dadas com a narrativa da história o tempo todo: nada é de graça, tudo tem um propósito e tudo está ligado ao enredo, desde as várias composições de cenas com espelhos até a maravilhosa cena da estátua de Lenin apontando para o espectador, filmada no rio Danubio em um movimento de câmera preciso que culmina na imagem de ponta cabeça.

Porém, como toda regra tem uma exceção, quase nada é gratuito: as cenas de nudez e sexo são totalmente desnecessárias, e não são poucas. Além de não acrescentarem nada, não possuem nenhuma importância para roteiro, nem para a narrativa e tampouco para a construção do filme. Dizer que essas cenas são importantes pela beleza visual e pelo trabalho com luz/volume não basta: Walter Carvalho já mostrou isso em todo o resto do filme. Sexo e nudez totalmente gratuitos e sem propósito que nos remete à época da pornochanchada.

Além disso, há muitas cenas que poderiam ser cortadas sem implicar nenhuma perda, cenas que não tem importância para a estrutura da obra como um todo (independente do livro). Porém, se a roteirista pecou nesse aspecto, acertou em cheio em outro: a metalinguagem.

            O filme todo é (assim como o livro deve ser) uma grande metalinguagem. Se o livro de Chico Buarque é sobre um livro, o filme de Walter Carvalho é sobre um filme. Essa questão foi muito bem resolvida na construção da adaptação: a metalinguagem está presente na cena onde José Costa vira para falar com a camera (consequentemente, com o espectador); na cena final onde vemos uma camera rodando através do espelho; e principalmente na última fala do filme, em voz over: “Corta, valeu!”.

A participação de Chico Buarque é fantástica do ponto de vista de “brincadeiras” com a própria metalinguagem: Chico-personagem é um desconhecido que pede autógrafo no livro que Chico-ator escreveu, e que dá origem ao filme que estamos vendo. Ele pedindo autógrafo para ele mesmo no filme dele?

            Viajando um pouco mais, ouso comparar o enredo com o de “Dom Casmurro”. Assim como na obra de Machado de Assis, a sensação que fica é: o que é invenção e o que é realidade? Houve ou não houve traição da esposa? O que realmente aconteceu e o que é imaginação dele (José Costa/Dom Casmurro)? Acompanhamos a história sob o ponto de vista de um só personagem e somos forçados a acreditar nele, embora sempre reste a desconfiança, principalmente por conta das crises de identidade (literalmente, José Costa possui muitas identidades) do personagem.

            

Um comentário:

Ricardo Abate Benzaquem disse...

Adorei sua resenha.
Estou querendo ver esse filme, e seu ponto de vista me deixou mais curioso ainda pra ver-lo e poder ver se eu posso ou não concordar com você. hehehehe!

Adorei o Blog!
Bjus!